quarta-feira, 8 de junho de 2011

...em um tempo recheado de escândalos, as vezes tenho a sensação de que há não esperança..
...a maioria dos textos que leio buscam a autoafirmação do autor.."eu sei o que presta..todo o resto é lixo.."
...os que deveriam conduzir a nação, são os piores exemplos possíveis, dignos de envergonhar Ali Babá..
...os que deveriam trazer informação e senso crítico à sociedade, parecem cada vez mais vendidos e pobres de espírito..

que bom que ainda escrevem textos como o que copio aqui...talvez pelo autor nao ser político ou jornalista..

"Eu sou do tempo em que "a vida começava aos 40". Um dia perguntamos o segredo desse limiar ao nosso professor de História. Aos 40, disse, a sexualidade enfraquece e, sem o aguilhão do desejo, o sujeito inicia uma nova vida dedicada às grandes causas morais e religiosas. Aos 14 anos, eu que só vivia o desejo, mas estava longe dos 40, deixei essa lembrança na gaveta dos esquecimentos até que, nestes meus 70 e poucos, reli O Velho e o Mar, de Ernest Hemingway.
Era um menino de 20 anos quando li esse livro pela primeira vez. O herói, um velho chamado Santiago, pescador azarado que sonhava com leões, embora morasse numa cabana nas praias brancas e ensolaradas de Cuba, não me impressionou. Frequentador da bela praia de Icaraí, então virgem dessa vergonhosa poluição que a assola há mais de 40 anos, eu fiquei mais surpreendido com as imagens dos leões e com a batalha do velho contra o gigantesco e precioso marlim, o maior e mais magnífico peixe que jamais pescou em toda sua vida mas que, depois morto e atado ao barco, é abocanhado por vorazes e traiçoeiros tubarões. Moço, eu li o livro e ignorei a parábola; velho, eu reli o livro e compreendi a fábula em sua bela e tenebrosa densidade. O marlim destroçado somos todos nós que temos dentro de nossas vidas tubarões, meninos e Santiagos com força para morrer de pé, lutando por melhores histórias.
Hoje, eu vejo que uma das gratificações de uma longa vida é poder revisitá-la. É ser capaz de revê-la nos seus esplendores, medos, dúvidas e angústias. E qual não foi a minha surpresa quando me encontrei - agora velho - com o velho Santiago do velho Hemingway e revivi essa pescaria fracassada. Quantas vezes questionei-me se, alguma vez, pesquei um marlim. O que significa pescar um gigantesco e desejável marlim para um velho? Seria mandar tudo às favas e começar de novo? Mas como começar, se chegamos ao fim da linha? Seria ter o seu trabalho reconhecido? Seria ganhar uma loteria que pudesse ampliar o seu modesto patrimônio de professor 20 vezes em quatro anos? Seria receber de volta os presentes que distribuiu ao longo de sua vida? Seria viver a sua solidão em pleno diálogo consigo mesmo, procurando esquecer as perdas e abafar a devastadora dor de ver a pessoa amada perder a alma?
Por outro lado, o que é para alguém no fim da vida testemunhar a sua maior obra ser destruída por tubarões? Esses tubarões que, invisíveis, vivem à nossa volta e nos obrigam a descobrir a inveja e o ressentimento no lugar da fraternidade e do companheirismo? Mas o que fez Santiago quando chegou à sua praia com a carcaça inútil do peixe com o qual havia lutado a sua tremenda batalha? Essas batalhas que todo velho luta diariamente contra a ingratidão, contra o abandono, contra o amor roubado pela vida e pelos deuses, contra a perda de algum ente querido, enterrado ainda quente no frio da terra?
O velho Santiago não abjurou sua vida ou amaldiçoou sua profissão ou renegou o seu destino. O que ele fez foi dormir e sonhar com leões. E amar seus filhotes e brincar com eles, tal como eu amo as pessoas que estão à minha volta.
* * * *
Desta Niterói onde vivo, envio o meu abraço e as minhas mais calorosas felicitações pelas 80 décadas de Zuenir Ventura. Mestre do jornalismo, ele escreveu uma reflexão exemplar sobre a fonte de sua juventude. Pois, quando se viu idoso, descobriu-se também mais jovem. Porque a juventude está na redescoberta, no revisitar, no reviver e, para nós, que amamos as letras, no reler e no reescrever. É delas que vem o sopro perene da vida que apaga, pois os livros terminam, mas também acendem algumas velas. Quem acha que a vida termina (e começa - mas como começar sem amor?) aos 40; quem se sente liquidado aos 60, não sabe de nada. Zuenir, aos 80, sonha com leões e, no Brasil, sonhar com leões tem a ver com a domesticação da ganância, com a busca da sinceridade, com a ultrapassagem do atraso e da ignorância. Com o saber o que é, afinal de contas, suficiente para cada um de nós.
* * * *
Esses ritos de passagem de idade - 1, 5, 10, 15, 20, 40, 80, etc... - reúnem uma primeira e uma última vez. Por isso, devem ser celebrados intensamente com quem nos dá amor e por meio desses testemunhos nos despertam o sentimento de plenitude e de coragem de existir neste mundo feito de tanto gozo e sofrimento.
Celebrações são como as rimas e as simetrias das pinturas, do bom cinema, do amar sem culpa, dos bons pratos e da grande música. Simetrias que acentuam o início, o meio e o fim de alguma coisa e, com isso, realizam o contraste necessário com a vida que assusta porque não tem começo ou fim. Esses são momentos de pleno sentido, pois as festas têm sempre uma razão e, mesmo bagunçadas, elas começam e terminam.
Num mundo totalmente desequilibrado, injusto, frenético, louco e cruel para tantos, as celebrações inventam pausas, desvendam olhares, promovem comentários, anedotas e risos que são o nosso trunfo (senão o triunfo) contra a finitude: essas causas perdidas. Mas, como dizia Frank Capra, são essas causas perdidas - igualdade, liberdade, justiça, amor, altruísmo e, sobretudo neste Brasil onde somos assaltados por altos funcionários federais em rede com justificativa ideológica, honestidade! - as únicas que valem o bom combate. Capra falou das causas perdidas num revolucionário filme de 1939"

Texto de Roberto da Matta, postado em http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20110608/not_imp729346,0.php

4 comentários:

Anne disse...

Olha que coincidência! Li este texto no Estadão de hoje e me lembrei da sensação de quando eu li o "Velho e o Mar"com meus 20 e poucos também. Foi a mesma que o Da Matta descreveu. Fiquei pensando nas analogias do envelhecimento que ele menciona no texto e pensei "preciso falar para o meu irmão ler este texto para depois a gente conversar". Até por causa dos tubarões; um papo que de um jeito ou de outro a gente sempre tem, né? Estava indo dormir e vi seu post aqui...beijos meu irmão querido!

Masamune disse...

Deu vontade de reler o livro...vou esperar mais alguns meses, completar os 40 anos...

Apesar dos meses que faltam, já me sinto mais livre desse desejo incessante da juventude. Não só o sexual, mas outros, desejo de aceitação, apreço, elogios, paixões.

Bacana esse texto que você encontrou. Realmente se vê muito pouco disso na imprensa em geral.
Eu não tinha lido, valeu pela postagem. Abraço

Anne disse...

Masamune, tenho achado que envelhecer (bem) é um dos grandes presentes (ou conquistas?) da vida ...

Homem Oco disse...

eita...belos comentários...obrigado!

ni, concordo 100%...presente? de jeito nenhum...trabalho árduo..

masa, em setembro te pergunto se mudou alguma coisa.rs

abs