domingo, 23 de abril de 2017

Na minha humilde opinião, pelo que tenho observado da vida,há um aspecto visceral que separa as pessoas que terão algum alívio e alegria na sua jornada humana daquelas que chegarão ao final tendo se tornado amargas, ansiosas e infelizes.

A vida se transformou de uma grande viagem prazerosa para algo um tanto difícil e digno de inúmeras reflexões, para mim, de dez anos para cá. No meu caso, é bastante singular que eu consiga enxergar uma linha clara para essa virada.

Embora hoje mais calmo e compassivo com a vida e comigo mesmo, foram necessários quase dez anos para entender que o jogo havia mudado. As situações, os objetivos e as ferramentas até então funcionais já não faziam mais sentido, uma vez que, de novo, o jogo havia mudado. Não há aqui nenhuma auto repreensão, pois
a compreensão só pode emergir quando o ambiente estiver propício. Se tivesse me tomado 20, em vez de dez, estaria tudo certo também.

Porém, o fruto mais valioso de todo esse processo e o que me faz crer que esses dez anos foram somente o cultivo para colher essa compreensão é a noção, agora verdadeiramente incorporada por mim, de que não há escapatória para o trabalho interno.

Eu sempre propaguei essa idéia - e acreditava nela - mas algo mudou agora. Algo, agora, compreendeu que não há alternativa. Protelar esse encontro comigo mesmo significa apenas adiar e, consequentemente, tornar mais difícil um trabalho que é tão intrínseco a viver quanto respirar.

Por trabalho interno eu me refiro a 1) desenvolver a humildade necessária para enxergar a realidade tal qual é, 2) aceitar - e aqui é muito importante jogar fora qualquer sentimentalismo infantil e olhar com olhos pragmáticos e sem poesia - que o propósito da vida não é ser feliz; feliz como nós entendemos feliz - busca do prazer e do conforto e fuga da dor, mas sim nos tornarmos seres mais adultos, fortes, inteligentes e compassivos e que isso só acontece através dos treinamentos que a vida nos apresenta e 3) conhecer as ferramentas que temos utilizado para lidar com os pontos 1 e 2 e alterá-las caso assim seja necessário - o que sempre é :(

O curioso é que, tal qual uma criança que berra por não querer ir para escola no primeiro dia, nós também passamos anos, décadas das nossas vidas relutando contra esse processo. Curioso é, também, o fato de que caso aceitemos que ele é inexorável, como a mãe dizendo ao filho que ir à aula é sua única opção, vamos, aos poucos, como a criança, nos acostumando e até, quem diria, apreciando. É como Sísifo aceitando que não há escapatória e, magicamente, a pedra começa a ficar mais leve. Ou como dizem os budistas, "the only way out is through"

O meu caminho é o da meditação. E aqui a relutância infantil traveste-se de preguiça, falta de confiança, falta de tempo, acreditar que há atalhos e milhares de minhocas conceituais que começam a pipocar na nossa mente (desde "isso é uma bobagem" até "será que eu vou virar um monge celibatário e tolo? Que medo!"). E todas as pessoas - todas - que trilharam esse caminho passaram pelos mesmos obstáculos. Creio que outros caminhos - como da psicoterapia - tragam obstáculos semelhantes.

Infelizmente, 95% das pessoas passam a vida sem ter essa compreensão. E vagam pelo mundo perdidas, entre o prazer e a dor, sedentas por orientação e alívio,buscando externamente remédios para suas feridas, machucando a si e aos outros.

Me parece que o "acaso nos protege enquanto andamos distraídos" porém, uma hora, quando estamos prontos,ele sai de cena e passa a ser conosco. Aceitar e cooperar é o que separa quem se tornará sadio dos que permanecerão doentes.