quinta-feira, 26 de novembro de 2009

É mais fácil do que pensamos

Eu tenho a solução para a TV aberta. É sério. Se seguirem as minhas dicas, o Brasil vai chegar ao Primeiro Mundo em poucas gerações. Vamos lá:

- A TV Cultura pode continuar como está. A programação é legal.

- O SBT deveria passar somente pegadinhas do Topa Tudo Por Dinheiro, principalmente as que foram protagonizadas pelo Ivo Holanda ou pela Ruth Ronce (ela ainda tá viva?), Ah, de repente voltar com o Bozo pode ser umas...e talvez incluir algumas edições do Roletrando também pode ser uma boa idéia.

- A Globo deveria substituir toda a programação por imagens da Renata Vasconcelos. Bem, o Globo Esporte pode continuar, aquele moleque é engraçado.

- A Bandeirantes deveria fazer tipo um Big Brother de 24 horas, sete dias por semana com a Renata Fan. Tipo mostrar a Renata Fan acordando, tomando café, fazendo cocô enquanto lê a Marie Claire, indo trabalhar, trabalhando, indo ao supermercado, escolhendo abacaxi, essas coisas...aí na quarta à noite entram os jogos do Todo Poderoso Alvinegro de Parque São Jorge (pausa para reverência e oração).

- A Record faria a mesma coisa, só que com a Ana Hickmann.

- A Rede TV...bem, a Rede TV....olha, a Rede TV pode ser tirada do ar, ninguém vai sentir falta.

- A MTV tem coisas legais. Poderiam deixar os programas da galera do Adnet e o resto do tempo ficar passando clipes do Alice in Chains.

- A TV Senado também pode ficar como está. Seria necessário apenas incluir aquele som de risada que tem nos seriados americanos... manja quando fulano diz algo engraçado do tipo "mas a minha sogra é um xuxu" e aí soltam uma gravação de risada "hahahaha"?..então, era só incluir essa risada nas falas dos senadores...

hum..pensando melhor, o SBT também podia substituir as pegadinhas pelo Big Brother da Ellen Ganzaroli...

Putz, já ia me esquecendo da TV Gazeta...vejamos...já sei, a Gazeta podia se especializar em desenhos animados...passar um pouco de Pica Pau, Supermouse, Tutubarão, Capitão Caverna, Lula lelé etc.

Não seria incrível?

pensamento do dia

Qual seria a sua idade se vc não soubesse quantos anos tem?

Dizem que esse pensamento é de Confúcio

terça-feira, 24 de novembro de 2009

Pra que, meu deus, pra que?

Acabei de assistir a Bastardos Inglorios. E confesso que estou abismado.Antes de continuar, preciso dizer que contarei coisas do filme portanto se você ainda não viu e pretende, é melhor não ler esse post.

Bom, vamos lá, continuando.

Ao sair do cinema, duas coisas ficaram martelando a minha cabeça sem parar.

A primeira: é possível, em qualquer tipo de comunicação, seja um mero dialogo seja uma obra de arte, separar o conteúdo da mensagem da forma com a qual ela é transmitida? Eu penso que não. Um quadro do Monet que retratasse miolos humanos esparramados em vez de lindas paisagens francesas geraria uma reação totalmente diferente no espectador. Dizer "você é a mulher mais encantadora do mundo" de uma forma rude e agressiva mudaria completamente o entendimento da receptora.

Não sou crítico de cinema, nem quero ser, então vou falar apenas da impressão que este filme me causou. Fazia muito tempo, mas muito mesmo, que eu não achava um filme tão ruim. Ruim não é a palavra, é claro que o filme sob aspectos técnicos é bom. Mas me refiro à forma que este diretor usou para contar sua história. E principalmente ao conteúdo. A sensação que tive ao sair do cinema foi a de ser ultrajado.

É lógico que os Nazistas cometeram atrocidades indesculpáveis. Eu estive na Polônia. Pude visitar Auschwitz e outros lugares. Vi as camaras de gás. Vi as pilhas de sapatos e as fotos dos que ali foram separados de suas familias, torturados e mortos como cães.

E justamente pela gravidade do fato - o que seres humanos foram capazes de fazer com outros seres humanos - que eu fiquei estupefato com a maneira com a qual este diretor lidou com este assunto.

A segunda coisa que martelou minha cabeça foi: pra que fazer um filme desse? Pra que?

É preciso falar deste assunto para que nunca mais aconteça algo semelhante? Claro que sim. Muito já se falou e talvez muito ainda se fale. Para ficarmos apenas na sétima arte filmes com A Lista de Schindler trataram deste assunto com a dignidade que ele merece.

Agora fazer disto uma brincadeira grosseira, hemorrágica, farsesca e infantil? É muita irresponsabilidade.

Ah, mas os Nazistas mereciam tudo o que foi mostrado no filme. De novo, a minha indignação não se dá por conta da relação Nazistas-Judeus (e outros tantos povos que foram perseguidos pelos Nazistas). Ela se dá pelo fato de que um acontecimento que joga na nossa cara quão monstruosos os seres humanos podem ser não pode servir de conteúdo para um filme com piadinhas que beiram o pastelão.

O mundo já anda violento demais. Não só a violência em si mas vejo que estamos cada vez mais perdendo a nossa sensibilidade e espírito reflexivo. Os programas de TV com suas notícias cada vez mais hemorragicas; as novelas que mostram o tiozinho indo de helicóptero com a noiva para a lua de mel em um RJ em farrapos; o nosso presidente que recebe com abraços o presidente do Irã (o mesmo cara que nega o Holocausto, que prega a morte a homossexuais e que governa um país sob ditadura), acho que tudo isso está estraçalhando qualquer sensibilidade que tenhamos. Bom, difícil saber o que é causa e o que é consequência.

Não quero parecer aqueles malas que estudam alguma Ciência Humana e acabam virando Azedos da Silva onde um simples Big Mac gera discussões eternas e massacrantes. Mas a gente tem que prestar mais atenção, muito mais, no que anda ingerindo. Isso é muito sério. Estamos ingerindo junkie food da pior espécie. Daquela mais cancerígena. Mostrar a violência extrema de uma forma "engraçadinha" e "cinematográfica" apenas porque ela existe é como mostrar para o pai de uma filha estuprada o estupro em si com música e camera lenta e querer que ele se divirta. Pelo amor de Deus.

Repito: o Holocausto talvez tenha sido a coisa mais monstruosa da História recente da Humanidade. Tratar deste assunto da maneira como o Tarantino tratou me fez sentir envergonhado.

Enfim, é só a minha opinião.

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Num meio-dia de fim de primavera

Num meio-dia de fim de primavera
Tive um sonho como uma fotografia.
Vi Jesus Cristo descer à terra.
Veio pela encosta de um monte
Tornado outra vez menino,
A correr e a rolar-se pela erva
E a arrancar flores para as deitar fora
E a rir de modo a ouvir-se de longe.

Tinha fugido do céu.
Era nosso demais para fingir
De segunda pessoa da Trindade.
No céu era tudo falso, tudo em desacordo
Com flores e árvores e pedras.
No céu tinha que estar sempre sério
E de vez em quando de se tornar outra vez homem
E subir para a cruz, e estar sempre a morrer
Com uma coroa toda à roda de espinhos
E os pés espetados por um prego com cabeça,
E até com um trapo à roda da cintura
Como os pretos nas ilustrações.
Nem sequer o deixavam ter pai e mãe
Como as outras crianças.
O seu pai era duas pessoas
Um velho chamado José, que era carpinteiro,
E que não era pai dele;
E o outro pai era uma pomba estúpida,
A única pomba feia do mundo
Porque não era do mundo nem era pomba.
E a sua mãe não tinha amado antes de o ter.

Não era mulher: era uma mala
Em que ele tinha vindo do céu.
E queriam que ele, que só nascera da mãe,
E nunca tivera pai para amar com respeito,
Pregasse a bondade e a justiça!

Um dia que Deus estava a dormir
E o Espírito Santo andava a voar,
Ele foi à caixa dos milagres e roubou três.
Com o primeiro fez que ninguém soubesse que ele tinha fugido.
Com o segundo criou-se eternamente humano e menino.
Com o terceiro criou um Cristo eternamente na cruz
E deixou-o pregado na cruz que há no céu
E serve de modelo às outras.
Depois fugiu para o sol
E desceu pelo primeiro raio que apanhou.

Hoje vive na minha aldeia comigo.
É uma criança bonita de riso e natural.
Limpa o nariz ao braço direito,
Chapinha nas poças de água,
Colhe as flores e gosta delas e esquece-as.
Atira pedras aos burros,
Rouba a fruta dos pomares
E foge a chorar e a gritar dos cães.
E, porque sabe que elas não gostam
E que toda a gente acha graça,
Corre atrás das raparigas pelas estradas
Que vão em ranchos pela estradas
com as bilhas às cabeças
E levanta-lhes as saias.

A mim ensinou-me tudo.

Ensinou-me a olhar para as cousas.
Aponta-me todas as cousas que há nas flores.
Mostra-me como as pedras são engraçadas
Quando a gente as tem na mão
E olha devagar para elas.

Diz-me muito mal de Deus.
Diz que ele é um velho estúpido e doente,
Sempre a escarrar no chão
E a dizer indecências.
A Virgem Maria leva as tardes da eternidade a fazer meia.
E o Espírito Santo coça-se com o bico
E empoleira-se nas cadeiras e suja-as.
Tudo no céu é estúpido como a Igreja Católica.
Diz-me que Deus não percebe nada
Das coisas que criou —
"Se é que ele as criou, do que duvido" —
"Ele diz, por exemplo, que os seres cantam a sua glória,
Mas os seres não cantam nada.
Se cantassem seriam cantores.
Os seres existem e mais nada,
E por isso se chamam seres."
E depois, cansados de dizer mal de Deus,
O Menino Jesus adormece nos meus braços
e eu levo-o ao colo para casa.

.............................................................................

Ele mora comigo na minha casa a meio do outeiro.
Ele é a Eterna Criança, o deus que faltava.
Ele é o humano que é natural,
Ele é o divino que sorri e que brinca.
E por isso é que eu sei com toda a certeza
Que ele é o Menino Jesus verdadeiro.

E a criança tão humana que é divina
É esta minha quotidiana vida de poeta,
E é porque ele anda sempre comigo que eu sou poeta sempre,
E que o meu mínimo olhar
Me enche de sensação,
E o mais pequeno som, seja do que for,
Parece falar comigo.

A Criança Nova que habita onde vivo
Dá-me uma mão a mim
E a outra a tudo que existe
E assim vamos os três pelo caminho que houver,
Saltando e cantando e rindo
E gozando o nosso segredo comum
Que é o de saber por toda a parte
Que não há mistério no mundo
E que tudo vale a pena.

A Criança Eterna acompanha-me sempre.
A direção do meu olhar é o seu dedo apontando.
O meu ouvido atento alegremente a todos os sons
São as cócegas que ele me faz, brincando, nas orelhas.

Damo-nos tão bem um com o outro
Na companhia de tudo
Que nunca pensamos um no outro,
Mas vivemos juntos e dois
Com um acordo íntimo
Como a mão direita e a esquerda.

Ao anoitecer brincamos as cinco pedrinhas
No degrau da porta de casa,
Graves como convém a um deus e a um poeta,
E como se cada pedra
Fosse todo um universo
E fosse por isso um grande perigo para ela
Deixá-la cair no chão.

Depois eu conto-lhe histórias das cousas só dos homens
E ele sorri, porque tudo é incrível.
Ri dos reis e dos que não são reis,
E tem pena de ouvir falar das guerras,
E dos comércios, e dos navios
Que ficam fumo no ar dos altos-mares.
Porque ele sabe que tudo isso falta àquela verdade
Que uma flor tem ao florescer
E que anda com a luz do sol
A variar os montes e os vales,
E a fazer doer nos olhos os muros caiados.

Depois ele adormece e eu deito-o.
Levo-o ao colo para dentro de casa
E deito-o, despindo-o lentamente
E como seguindo um ritual muito limpo
E todo materno até ele estar nu.
Ele dorme dentro da minha alma
E às vezes acorda de noite
E brinca com os meus sonhos.
Vira uns de pernas para o ar,
Põe uns em cima dos outros
E bate as palmas sozinho
Sorrindo para o meu sono.

......................................................................

Quando eu morrer, filhinho,
Seja eu a criança, o mais pequeno.
Pega-me tu ao colo
E leva-me para dentro da tua casa.
Despe o meu ser cansado e humano
E deita-me na tua cama.
E conta-me histórias, caso eu acorde,
Para eu tornar a adormecer.
E dá-me sonhos teus para eu brincar
Até que nasça qualquer dia
Que tu sabes qual é.

.....................................................................

Esta é a história do meu Menino Jesus.
Por que razão que se perceba
Não há de ser ela mais verdadeira
Que tudo quanto os filósofos pensam
E tudo quanto as religiões ensinam?

Alberto Caeiro

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

O medo

Acabei de ler um texto espetacular na net.Espero que gostem tanto quanto eu.

O texto foi escrito pelo psicanalista e filósofo Rubem Alves e encontra-se em http://www.lucianopires.com.br/idealbb/view.asp?topicID=7121


Tenho medo...

Um casal de amigos enviou-me um fax com um pedido: que lhes mandasse os nomes dos livros que tenho sobre o medo. Explicaram a razão do pedido: tinham medo... E pensavam que pela leitura daquilo que sobre o medo se escreveu como ciência e filosofia, o seu próprio medo ficaria mais leve.
Procurei fazer o que me pediam. Pus a funcionar os arquivos da minha memória, procurando identificar os livros sobre o medo que estariam na minha biblioteca. Inutilmente. Nenhum título me veio à mente. Dei-me conta de que não possuo nenhum livro sobre o medo. Sem livros a que recorrer, pus-me a pensar meus próprios pensamentos sobre o medo. E o primeiro pensamento que me veio foi o seguinte: Eu tenho medo. Eu sempre tive medo. Viver é lutar diariamente com o medo. Talvez esse seja o sentido a lenda de São Jorge, lutando com o dragão. O dragão não morre nunca. E a batalha se repete, a cada dia.


Como não pudesse ajudar meus amigos com bibliografia filosófica e científica, resolvi compartilhar com eles minha condição. O medo tem muitas faces. Lembro-me de que, bem pequeno ainda, acordei chorando, imaginando que um dia eu estaria sozinho no mundo. Foi uma dura experiência de abandono. Tive medo de não ser capaz de ganhar a minha vida quando meu pai e minha mãe partissem. Na verdade eu tinha era medo da orfandade, do abandono. Minha filha Raquel tinha não mais que três anos. Era cedo, bem cedo. Ela me acordou e me perguntou: “Papai, quando você morrer você vai sentir saudades?“ Essa foi a forma delicada que ela teve de me dizer que tinha medo da saudade que ela iria sentir, quando eu partisse. O rosto do medo mudou. Mas o sentimento continua o mesmo. Tenho medo da solidão. Há uma solidão boa. É a solidão necessária para ouvir música, ler, pensar, escrever. Mas há a solidão do abandono. Buber relata que, numa língua africana, a palavra para dizer “solidão“ é composta de uma série de palavras aglutinadas que, se traduzidas uma a uma, dariam a frase: Lá, onde alguém grita: Oh! mãe! Estou perdido! O trágico dessa palavra é que o grito nunca será ouvido, nunca terá resposta. Tenho medo da degeneração estética da velhice. Tenho medo que um derrame me paralise, deixando-me sem meios de efetivar a decisão que seria sábia e amorosa: partir. Tenho medo da morte. Antigamente esse medo me atormentava diariamente. Depois ele se tornou gentil. Ficou suave. Passei a compreender que a morte pode ser uma amiga. Veio-me à mente uma frase que se encontra na oração Pelos que vão morrer, de Walter Rauschenbusch: “Ó Deus, nós te louvamos porque para nós a morte não é mais uma inimiga, e sim um grande anjo teu, nosso amigo, o único a poder abrir, para alguns de nós, a prisão da dor e do sofrimento e nos levar para os espaços imensos de uma nova vida. Mas nós somos como crianças, com medo do escuro...“ (Orações por um mundo melhor, Paulus ). O Vinícius disse a mesma coisa de um outro jeito: “Resta esse diálogo cotidiano com a morte, esse fascínio pelo momento a vir, quando, emocionada, ela virá me abrir a porta como uma velha amante, sem saber que é a minha mais nova namorada.“ Boas são as palavras das orações e dos poemas: elas têm o poder de transfigurar a face do medo. Meu medo da morte ficou suave porque o seu terror foi amenizado pela tristeza. Ah! Mário Quintana! Como eu gosto de você, velho que nunca deixou de ser menino! Você sabia tirar o terror do medo rindo diante dele. Você lidava com seus medos como se fossem brinquedos. Delicioso, esse brinquedinho: “Um dia...pronto!...me acabo./ Pois seja o que tem de ser./ Morrer: que me importa? O diabo é deixar de viver!“ Isso mesmo. O terrível não é morrer; é deixar de viver. O terrível não é o que está à frente; é o que deixamos para trás. É um desaforo ter de deixar essa vida! Zorba, quando percebeu que seu momento chegara, foi até a janela, olhou para as montanhas no horizonte, pôs-se a relinchar como um cavalo e gritou: “Um homem como eu teria de viver mil anos!“ E eu pergunto: “Por que tanta modéstia? Por que só mil?“

Mas tenho medo do morrer. Medo da morte e medo do morrer são coisas distintas. O morrer pode ser doloroso, longo, humilhante. Especialmente quando os médicos não permitem que o corpo que deseja morrer, morra.

Tenho medo também da loucura. Não há sinal algum de que eu vá ficar louco. Mas nunca se sabe! Muitas mentes luminosas ficaram insanas. E tenho medo de que algo ruim venha a acontecer com meus filhos e netas. Sábias foram as palavras daquele homem que, no livro onde deveriam ser escritos os bons desejos à recém-nascida neta do rei, escreveu: “Morre o avô, morre o pai, morre o filho...“ Enfurecido, o rei lhe pede explicações. “Majestade: haverá tristeza maior para um avô que ver o seu filho morrer? E para o seu filho: haveria tristeza maior que ver sua filhinha morrer? É preciso que a morte aconteça na ordem certa..." Tenho medo de que a morte não aconteça na ordem certa.

Somos iguais aos animais, em que as mesmas coisas terríveis podem acontecer a eles e a nós. Mas somos diferentes deles porque eles só sofrem como se deve sofrer, isto é, quando o terrível acontece. E nós, tolos, sofremos sem que ele tenha acontecido. Sofremos imaginando o terrível. O medo é a presença do terrível-não-acontecido, se apossando das nossas vidas. Ele pode acontecer? Pode. Mas ainda não aconteceu e nem se sabe se acontecerá.

Curioso: nós, humanos, somos os únicos animais a ter prazer no medo. A colina suave não seduz o alpinista. Ele quer o perigo dos abismos, o calafrio das neves, a sensação de solidão. A terra firme, tão segura, tão sem medo, tão monótona! Mas é o mar sem fim que nos chama: “A solidez da terra, monótona, parece-nos fraca ilusão. Queremos a ilusão do grande mar, multiplicada em suas malhas de perigo...“ (Cecília Meireles).

A pomba, que por medo do gavião, se recusasse a sair do ninho, já se teria perdido no próprio ato de fugir do gavião. Porque o medo lhe teria roubado aquilo que de mais precioso existe num pássaro: o vôo. Quem, por medo do terrível, prefere o caminho prudente de fugir do risco, já nesse ato estará morto. Porque o medo lhe terá roubado aquilo que de mais precioso existe na vida humana: a capacidade de se arriscar para viver o que se ama.

O medo não é uma perturbação psicológica. Ele é parte da nossa própria alma. O que é decisivo é se o medo nos faz rastejar ou se ele nos faz voar. Quem, por causa do medo, se encolhe e rasteja, vive a morte na própria vida. Quem, a despeito do medo, toma o risco e voa, triunfa sobre a morte. Morrerá, quando a morte vier. Mas só quando ela vier. Esse é o sentido das palavras de Jesus: “Aquele que quiser salvar a sua vida, perdê-la-á. Mas quem perder a sua vida, a encontrará.“ Viver a vida, aceitando o risco da morte: isso tem o nome de coragem. Coragem não é ausência do medo. É viver, a despeito do medo.

Houve um tempo em que eu invocava os deuses para me proteger do medo. Eu repetia os poemas sagrados para exorcizar o medo: “Ainda que eu ande pelo vale da sombra da morte, não temerei mal algum...“ “Mil cairão à tua direita, dez mil à tua esquerda, mas nenhum mal te sucederá...“ A vida me ensinou que esses consolos não são verdadeiros. Os deuses não nos protegem do medo. Eles nos convidam à coragem de viver a despeito dele.

terça-feira, 17 de novembro de 2009

A menor prece do mundo

Ontem eu tava voltando pra casa e pensando um negócio. Eu pensava que (não sei de onde veio isso..) a palavra mais importante pra qualquer um é "foda-se". Sério, a importância que essa expressão tem na nossa vida é incrível. Acho que algum antropólogo deveria fazer uma tese acadêmica relacionando o número de vezes que alguém diz "foda-se" com seu grau de felicidade (bom, a dercy gonçalves devia ser a pessoa mais feliz do mundo né...)

Hoje, por uma incrível coincidência, estava assistindo à entrevista que o Anthony Hopkins deu no programa Actors Studio. Descrevo aqui um trecho:

"Uma vez eu perguntei a um padre qual era a menor prece do mundo. Ele me respondeu 'foda-se'.
- Pô, 'foda-se'?
- É, foda-se. Pra mim, foda-se significa 'Deus, toma conta aí que aqui já fodeu'."

Sensacional.

Não curtiu? ....