terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

arte

Tava relendo o trabalho que fiz no semestre passado para a matéria Estética do meu curso de teatro do indac...o trabalho consistia em analisar obras de arte do MASP e da PINACOTECA (os alunos deveriam ir aos dois museus, escolher algumas obras e analísa-las). Por falta de tempo (leia-se: organização), chegou o fim do semestre e eu não havia ido a nenhum dos dois....perguntei então ao professor se poderia usar a viagem recém feita à Europa e escrever sobre obras lá vistas (quanta empáfia...).Escolhi três análises, que seguem.

"1- Pietá, Michelangelo – Basílica de São Pedro, Vaticano

Escultura de Jesus morto deitado no colo de Maria, feita em mármore. Ao ver a obra,tive novamente a sensação de entrar em contato com o divino (digo novamente pois, houve duas ou três obras que vi anteriormente, cuja sensação foi a mesma). Eu, que venho tentando lutar contra o excessivo domínio do centro intelectual, fico feliz por não conseguir explicar o que senti naquele momento. Vou transpor o trecho que escrevi no meu diário de viagem após a visita a Roma (18 de outubro de 2006)

“Após a jornada nos palácios do Vaticano, fui à Basílica de São Pedro. Se eu achava que já havia visto tudo o que uma igreja poderia oferecer em termos de imponência e beleza, me enganei completamente. Que lugar impressionante! Lindíssimo! Uma arquitetura incrível, esculturas estonteantes e uma beleza na decoração que vi em poucos castelos reais europeus. Mas lá tive o ponto alto de Roma e seguramente um dos pontos altos da viagem: Pietá. Escultura de Michelangelo Buonarotti que beira a perfeição. Jesus desfalecido no colo de Maria em mármore. Acho que fiquei uns vinte minutos parado admirando a peça. Chorei por pelo menos 5 minutos. Fazia anos que não chorava como chorei naquela hora. Detalhe: o artista tinha 24 anos quando produziu a obra.”

Lembro de ter chorado copiosamente, sem saber o porquê. O corpo magro e perfeito de Jesus, as dobras do véu da mãe, a escolha do nome são absolutamente impressionantes.
Mas lembro que o que realmente me provocou catarse foram os olhos de Maria. Acho que, sem perceber, fui posto em seu lugar. Tive a sensação de ter um filho morto no meu colo e de saber que era pra ser assim, que a força maior do Universo assim queria e que, qualquer sentimento oposto à piedade e à entrega, seria mero egoísmo e apego. Também lembro (e aqui já fico bravo com este trabalho, pois está me fazendo racionalizar o que senti na hora) de ter, ao mesmo tempo, sentido que a figura de Maria representava também essa força maior do Universo: ou seja, a mãe com o filho no colo era a Mãe Natureza com seu filho Homem no colo, representando toda a fragilidade e dependência deste filho...lembro de ter lido, alguns dias depois, Na Margem do Rio Piedra Eu Sentei e Chorei do Paulo Coelho (deixando bem claro que não gostei do livro e que foi o primeiro e último livro que li deste autor). Como o livro conta a história (ou estória?) de Lourdes, a menina francesa que viu Nossa Senhora, eu passei a ver a representação de Maria como a Mãe Natureza, o que tinha, automaticamente, brotado na minha experiência com a Pietá. Eu, que nunca fui católico e que sempre passei ao largo de qualquer identificação com qualquer religião de massa, tive a identificação completa com a figura de Maria = Deus = Natureza.
Pra concluir, assumindo-se o preposto colocado em aula de que a arte busca a beleza e/ou a verdade, sinto que esta obra atinge o grau máximo nos dois aspectos. Interessante é avaliar se, a verdade no seu grau máximo, não atinge, conseqüentemente, a beleza. E vice-versa.


2) Garota com brinco de pérola, Johannes Vermeer, Mauritshuis, Haia, Holanda

Acho que esse é meu quadro preferido. Lembro de ter ficado absolutamente sem reação ao ver esta obra, tal era meu encantamento. Novamente transponho um trecho do que escrevi em meu diário logo após sair do museu:

“Acabei de sair de um museu em Den Haag na Holanda. O Maurithuis (pronuncia-se algo como Máurithauz)! Vi o quadro mais lindo que já vi na vida! Moça com brinco de pérola. Lindo demais!Parecia que a menina estava viva. O jogo de luz perfeito, o olhar, os lábios, o turbante, a cor da pele, incrível! Eu não conseguia parar de olhar. Acho que fiquei uns 20 minutos ao todo olhando para o quadro. Eu ia, vinha, mudava de sala e voltava para ver o quadro. ..”

Além do que está no trecho acima, me lembro muito bem de ter ficado seduzido pela figura do feminino. Apesar da idade da menina retratada na obra ser baixa, seu olhar de fragilidade me deixou completamente apaixonado. Um sentimento misto de compaixão, amor, paixão e vontade de controlar e ser controlado ao mesmo tempo me dominou e não conseguia parar de olhar para ela. Acho que me identifiquei com o artista automaticamente no sentido de que ele quis retratar todo o universo feminino inserido no ideal masculino, com sua dialética fragilidade / força, entrega / domínio. Outro aspecto que me chamou a atenção foi o fato do fundo ser completamente preto, deixando a menina como a única atração, o centro de tudo.
Não dá para ignorar o brinco. Vou passar em branco pelos fatores técnicos da sua representação pois o mais importante pra mim foi a analogia com a necessidade de enfeitar-se e, conseqüentemente, seduzir que a jóia representa. Novamente retorno ao universo feminino, pois a necessidade da sedução diz muito mais respeito à própria mulher e o preenchimento da sua auto estima do que a sedução em si.
Acho que esta peça foi a que me fez refletir, pela primeira vez, que, muito mais forte do que a tentativa de entender o que o artista quis dizer, é o fato de as grandes obras de arte nada mais serem do que espelhos, pois tudo o que vemos e que julgamos entender são as nossas visões sobre a vida e as coisas. É muito provável que tudo o que eu tenha escrito acima fizesse Vermeer rir tal seria sua desconexão com a intenção do artista mas diz muito a meu respeito.
3) Vindo da Igreja, Jânis Rozentals, Museu Nacional de Arte, Riga, Letônia

Segundo a explicação logo abaixo do quadro, esta obra foi o trabalho de conclusão de curso na Academia de Belas Artes do jovem pintor Jânis Rozentals, que viria a se tornar um dos maiores pintores da Letônia. Novamente, volto ao fascínio que o tema Religião exerce sobre mim, muito menos por admiração e mais por aspectos antropológicos e sociológicos (aqui deixo claro que sou absolutamente leigo nestes dois assuntos). Os países bálticos (assim como a maioria esmagadora dos páises do leste e sul da Europa) sempre foram muito influenciados pelo poder da Igreja (principalmente Católica e Ortodoxa) e me chamou a atenção a escolha deste exato momento (a saída do culto) pelo autor. A impressão que fiquei é que houve uma tentativa de retratar a cultura do povo letão de uma forma abrangente. O fato de haver, da esquerda para a direita, a figura de uma menina com a sua mãe, alguns homens maduros ao centro e um casal de velhos me ajudou a ter essa impressão. Além disso, fiquei com a sensação de que o autor não retratou seu povo como um povo feliz, mas sim um povo sofrido, que tem poucas possibilidades de se libertar dos poderes controladores, sendo a igreja (com letra minúscula pois aqui refiro-me à construção) a representação destes poderes. Chego ao limite de associar a cerca da igreja com a cerca de um estábulo e os seres humanos a um conjunto de animais adestrados.
Além de tudo isso, fiquei fascinado com a técnica do autor. As linhas são formidavelmente desenhadas fazendo com que tenhamos a impressão de estarmos diante do fato ao vivo (estou desconfiado que tenho uma forte queda por peças do Realismo). Um último aspecto me fez ratificar meu fascínio pela obra, embora não fosse exclusivo deste quadro. Segundo a mesma explicação existente perto da obra, o pintor trabalhou por mais de dois anos (ou quatro, agora não me recordo) tentando encontrar as formas que expressassem perfeitamente o que ele queria, o que joga pelo ralo a idéia de Arte como algo baseado no talento e na inspiração simplesmente. Há um trabalho duríssimo, repetitivo, que demanda profunda capacidade de observação do mundo que nos rodeia e de nosso universo interior em uma grande obra."

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